O Pe. James Martin, SJ, autor do best-seller The Jesuit Guide to (Almost) Everything, compartilha nesta entrevista as suas intuições únicas sobre a espiritualidade inaciana.
A reportagem é do sítio The Jesuit Way, 26-10-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
James Martin é padre jesuíta, editor de cultura da revista America, e autor de vários livros, incluindo My Life with the Saints e o best-seller segundo o New York Times The Jesuit Guide to (Almost) Everything. Seu último livro é Between Heaven and Mirth: Why Joy, Humor, and Laughter are at the Heart of Spiritual Life.
Comentarista frequente na mídia nacional e internacional, Pe. Martin já apareceu em diversos programas e canais, incluindo o History Channel, Rádio do Vaticano e BBC, e em publicações como o New York Times e o Wall Street Journal.
Eis a entrevista.
Você não esperava ser chamado para a vida religiosa – na verdade, você já tinha estudado administração na Wharton School na graduação e iniciado uma carreira de negócios quando saiu para se juntar à Companhia de Jesus. O que atraiu você aos jesuítas?
Quando eu comecei na Wharton, eu não tinha certeza do que eu queria fazer. Eu escolhi administração porque parecia ser o caminho mais prático. E é uma verdadeira vocação para muitas pessoas. Mas, desde o começo, eu sentia como se estivesse no lugar errado. Mas eu fiquei e comecei a trabalhar na General Eletric. Eu estava indo bem, mas, depois de cerca de quatro ou cinco anos, eu comecei a me sentir preso.
Uma noite, eu cheguei em casa do trabalho, liguei a TV e vi um documentário sobre o padre e escritor trapista Thomas Merton. Isso me fez pensar em fazer algo mais, algo mais pacífico e contemplativo. Então, eu li a sua autobiografia, A montanha dos sete patamares, e isso realmente me levou a começar a pensar sobre a vida religiosa. Eu pensei primeiro nos jesuítas porque eu estava vivendo perto da Fairfield University.
Você cresceu como católico, mas, até que você entrou para os jesuítas, nem você, nem a sua família poderiam ser considerados particularmente devotos. Seus amigos e sua família ficaram surpresos com a sua decisão?
Surpresos, chocados e horrorizados. Eles ficaram muito chateados no início. Eles não conheciam muitos padres nem quaisquer jesuítas. Eles pensavam que eu estava desperdiçando a minha educação, fugindo da minha vida e não pensando direito. Eu estava me consultando com um psicólogo para me ajudar a lidar com o estresse do meu trabalho, e um amigo insistiu que eu precisava ver outro.
E, assim que você entrou para os jesuítas, alguma coisa mudou?
Eu me apaixonei pela vida quase que imediatamente. Eu ainda olho para o meu primeiro ano de noviciado como um dos melhores anos da minha vida. O tempo que passamos em oração, trabalhando com os pobres e vivendo em comunidade foi lindo. Foi chocante para mim descobrir que algo tão incrível existia e que eu não sabia nada disso.
Os comentários do seu livro quase sempre citam a sua acessibilidade e praticidade. O que lhe inspirou a escrevê-lo?
Existem muitos livros excelentes sobre a espiritualidade jesuíta, mas a maioria é escrita expressamente para católicos e é publicada por editoras católicas. Eu queria introduzir a espiritualidade inaciana ao maior público possível, assumindo que os leitores não soubessem nada sobre quem era Inácio.
Por que Santo Inácio e a espiritualidade jesuíta são tão atraentes para tantas pessoas?
Os conceitos centrais de encontrar Deus em todas as coisas e de ser contemplativo na ação são muito flexíveis. Deus não está confinado às paredes da Igreja. Do ponto de vista jesuíta, cada momento das nossas vidas é uma oportunidade de experimentar Deus, não importa quem você seja.
E os não crentes? Eles podem se beneficiar com a aprendizagem sobre a filosofia inaciana?
Você deve lembrar que a meta final da espiritualidade inaciana é construir uma relação com Deus. Isso não significa que, se você for um não-crente, você não poderá encontrar intuições valiosas sobre a tomada de decisões e o relacionamento com outras pessoas. Mas, para entendê-lo completamente, uma relação com Deus deve fazer parte disso.
Por que os jesuítas são tão intimamente relacionados com a educação?
Ironicamente, essa é uma espécie de reflexo das necessidades do dia. Santo Inácio valorizava a educação. Ele voltou a aprender mais em uma idade relativamente avançada, mas ele não fundou a ordem para abrir escolas. Ele a fundou para "ajudar as almas". Mas os líderes civis daquele tempo pediram a ele e a seus seguidores que abrissem escolas, e é por isso que os jesuítas eram muito bons nisso. Encontrar Deus em todas as coisas significa, naturalmente, encontrá-lo no ensino e na aprendizagem também.
Uma das coisas que você tenta em seu livro é recuperar a conotação positiva da palavra "religioso". Por quê?
Hoje, você ouve muito sobre pessoas que querem ser espirituais, mas sem serem religiosas, e o problema disso é que, sem religião, você está separado do aspecto comunitário da espiritualidade. Com todos os seus pecados e falhas, a religião organizada fornece uma comunidade em que podemos encontrar conforto, estrutura, consolação – e correção. Ela nos lembra quando estamos errados. Se você for puramente espiritual, qualquer coisa que aconteça entre você e Deus, você assume que deve estar certo e perde os benefícios da comunidade. O problema no tempo de Jesus era que as pessoas eram religiosas sem serem espirituais. Hoje é o contrário.
Você faz a mesma coisa com o conceito de desejo – tentando recuperá-lo como algo positivo.
O desejo é realmente uma das principais formas pelas quais Deus nos fala. No nível mais óbvio, as pessoas se apaixonam, descobrem suas vocações como cônjuges, amigos, médicos, advogados e artistas. O desejo recebe uma condenação ruim, mas é uma das formas pelas quais Deus nos chama. Ele tem sido injustamente comparado com necessidades egoístas, mas, sem desejo, não nos levantaríamos pela manhã.
Um dos aspectos mais interessantes da espiritualidade inaciana para a maioria das pessoas é a ideia de que Deus se encontra com você onde você está – que você pode decidir ter uma relação com Deus, ou uma melhor relação com Deus, a qualquer hora.
Isso mesmo. Santo Inácio disse, em essência, que você não precisa esperar para ser perfeito. A maioria das pessoas pensa que não estão prontas para uma relação com Deus. Mas Deus sempre está pronto e Deus sempre lhe ama. Isso não quer dizer que ele não vai lhe convidar a mudar. Mas você não precisa mudar para se aproximar dele.
Inácio não foi sempre "um santo". Isso o ajudou a entender as outras pessoas enquanto ele escrevia. Ele escrevia à luz da sua própria existência humana e falha. A sua abordagem à espiritualidade é diferente da de alguns outros santos também, na medida em que ele tinha uma forma muito sistemática de abordar a vida espiritual. Enquanto outros escreveram livros, ensaios e homilias, ele tinha um programa de quatro semanas – os Exercícios Espirituais – que qualquer um poderia seguir. Quando você considera o seu passado militar, faz sentido que ele tenha tido essa forma marcial para expor as coisas dessa forma organizada.
Qual você acha que é – e qual Santo Inácio diria que é – o elemento mais poderoso e valioso da espiritualidade jesuíta?
O Exame – essa é a coisa que Inácio disse que melhor alavancaria a sua vida espiritual. É uma oração muito fácil de fazer, leva de 15-20 minutos todos os dias e ela sempre ajuda a ver onde Deus está. É a única oração que Inácio disse que os seus jesuítas nunca deveriam omitir.
Qual é a parte mais difícil de aceitar da espiritualidade inaciana para a maioria das pessoas?
A noção de que Deus pode ser encontrado no meio do sofrimento. Quando estamos mais vulneráveis, Deus pode irromper mais, porque as suas defesas estão baixas. Em seu sofrimento, em seu quebrantamento, Deus pode se encontrar com você de novas maneiras, através da bondade que as pessoas mostram, das emoções que você sente.
Você acaba de publicar um novo livro em outubro. Do que ele trata?
Sim, ele está intulado Between Heaven and Mirth: Why Joy, Humor, and Laughter are at the Heart of Spiritual Life. Muitos católicos sentem a necessidade de serem sombrios e que Deus quer que sejamos sérios o tempo todo. Mas Deus quer que experimentemos a alegria. A fé leva à alegria.
Você acha que muitas pessoas levam a religião muito a sério?
Não – a religião precisa ser levada a sério. Eu acho que muitas pessoas religiosas se levam muito a sério. Há muito tempo eu acredito que, se você for mortalmente sério, você está seriamente morto.
(Fonte: IHU)
A reportagem é do sítio The Jesuit Way, 26-10-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
James Martin é padre jesuíta, editor de cultura da revista America, e autor de vários livros, incluindo My Life with the Saints e o best-seller segundo o New York Times The Jesuit Guide to (Almost) Everything. Seu último livro é Between Heaven and Mirth: Why Joy, Humor, and Laughter are at the Heart of Spiritual Life.
Comentarista frequente na mídia nacional e internacional, Pe. Martin já apareceu em diversos programas e canais, incluindo o History Channel, Rádio do Vaticano e BBC, e em publicações como o New York Times e o Wall Street Journal.
Eis a entrevista.
Você não esperava ser chamado para a vida religiosa – na verdade, você já tinha estudado administração na Wharton School na graduação e iniciado uma carreira de negócios quando saiu para se juntar à Companhia de Jesus. O que atraiu você aos jesuítas?
Quando eu comecei na Wharton, eu não tinha certeza do que eu queria fazer. Eu escolhi administração porque parecia ser o caminho mais prático. E é uma verdadeira vocação para muitas pessoas. Mas, desde o começo, eu sentia como se estivesse no lugar errado. Mas eu fiquei e comecei a trabalhar na General Eletric. Eu estava indo bem, mas, depois de cerca de quatro ou cinco anos, eu comecei a me sentir preso.
Uma noite, eu cheguei em casa do trabalho, liguei a TV e vi um documentário sobre o padre e escritor trapista Thomas Merton. Isso me fez pensar em fazer algo mais, algo mais pacífico e contemplativo. Então, eu li a sua autobiografia, A montanha dos sete patamares, e isso realmente me levou a começar a pensar sobre a vida religiosa. Eu pensei primeiro nos jesuítas porque eu estava vivendo perto da Fairfield University.
Você cresceu como católico, mas, até que você entrou para os jesuítas, nem você, nem a sua família poderiam ser considerados particularmente devotos. Seus amigos e sua família ficaram surpresos com a sua decisão?
Surpresos, chocados e horrorizados. Eles ficaram muito chateados no início. Eles não conheciam muitos padres nem quaisquer jesuítas. Eles pensavam que eu estava desperdiçando a minha educação, fugindo da minha vida e não pensando direito. Eu estava me consultando com um psicólogo para me ajudar a lidar com o estresse do meu trabalho, e um amigo insistiu que eu precisava ver outro.
E, assim que você entrou para os jesuítas, alguma coisa mudou?
Eu me apaixonei pela vida quase que imediatamente. Eu ainda olho para o meu primeiro ano de noviciado como um dos melhores anos da minha vida. O tempo que passamos em oração, trabalhando com os pobres e vivendo em comunidade foi lindo. Foi chocante para mim descobrir que algo tão incrível existia e que eu não sabia nada disso.
Os comentários do seu livro quase sempre citam a sua acessibilidade e praticidade. O que lhe inspirou a escrevê-lo?
Existem muitos livros excelentes sobre a espiritualidade jesuíta, mas a maioria é escrita expressamente para católicos e é publicada por editoras católicas. Eu queria introduzir a espiritualidade inaciana ao maior público possível, assumindo que os leitores não soubessem nada sobre quem era Inácio.
Por que Santo Inácio e a espiritualidade jesuíta são tão atraentes para tantas pessoas?
Os conceitos centrais de encontrar Deus em todas as coisas e de ser contemplativo na ação são muito flexíveis. Deus não está confinado às paredes da Igreja. Do ponto de vista jesuíta, cada momento das nossas vidas é uma oportunidade de experimentar Deus, não importa quem você seja.
E os não crentes? Eles podem se beneficiar com a aprendizagem sobre a filosofia inaciana?
Você deve lembrar que a meta final da espiritualidade inaciana é construir uma relação com Deus. Isso não significa que, se você for um não-crente, você não poderá encontrar intuições valiosas sobre a tomada de decisões e o relacionamento com outras pessoas. Mas, para entendê-lo completamente, uma relação com Deus deve fazer parte disso.
Por que os jesuítas são tão intimamente relacionados com a educação?
Ironicamente, essa é uma espécie de reflexo das necessidades do dia. Santo Inácio valorizava a educação. Ele voltou a aprender mais em uma idade relativamente avançada, mas ele não fundou a ordem para abrir escolas. Ele a fundou para "ajudar as almas". Mas os líderes civis daquele tempo pediram a ele e a seus seguidores que abrissem escolas, e é por isso que os jesuítas eram muito bons nisso. Encontrar Deus em todas as coisas significa, naturalmente, encontrá-lo no ensino e na aprendizagem também.
Uma das coisas que você tenta em seu livro é recuperar a conotação positiva da palavra "religioso". Por quê?
Hoje, você ouve muito sobre pessoas que querem ser espirituais, mas sem serem religiosas, e o problema disso é que, sem religião, você está separado do aspecto comunitário da espiritualidade. Com todos os seus pecados e falhas, a religião organizada fornece uma comunidade em que podemos encontrar conforto, estrutura, consolação – e correção. Ela nos lembra quando estamos errados. Se você for puramente espiritual, qualquer coisa que aconteça entre você e Deus, você assume que deve estar certo e perde os benefícios da comunidade. O problema no tempo de Jesus era que as pessoas eram religiosas sem serem espirituais. Hoje é o contrário.
Você faz a mesma coisa com o conceito de desejo – tentando recuperá-lo como algo positivo.
O desejo é realmente uma das principais formas pelas quais Deus nos fala. No nível mais óbvio, as pessoas se apaixonam, descobrem suas vocações como cônjuges, amigos, médicos, advogados e artistas. O desejo recebe uma condenação ruim, mas é uma das formas pelas quais Deus nos chama. Ele tem sido injustamente comparado com necessidades egoístas, mas, sem desejo, não nos levantaríamos pela manhã.
Um dos aspectos mais interessantes da espiritualidade inaciana para a maioria das pessoas é a ideia de que Deus se encontra com você onde você está – que você pode decidir ter uma relação com Deus, ou uma melhor relação com Deus, a qualquer hora.
Isso mesmo. Santo Inácio disse, em essência, que você não precisa esperar para ser perfeito. A maioria das pessoas pensa que não estão prontas para uma relação com Deus. Mas Deus sempre está pronto e Deus sempre lhe ama. Isso não quer dizer que ele não vai lhe convidar a mudar. Mas você não precisa mudar para se aproximar dele.
Inácio não foi sempre "um santo". Isso o ajudou a entender as outras pessoas enquanto ele escrevia. Ele escrevia à luz da sua própria existência humana e falha. A sua abordagem à espiritualidade é diferente da de alguns outros santos também, na medida em que ele tinha uma forma muito sistemática de abordar a vida espiritual. Enquanto outros escreveram livros, ensaios e homilias, ele tinha um programa de quatro semanas – os Exercícios Espirituais – que qualquer um poderia seguir. Quando você considera o seu passado militar, faz sentido que ele tenha tido essa forma marcial para expor as coisas dessa forma organizada.
Qual você acha que é – e qual Santo Inácio diria que é – o elemento mais poderoso e valioso da espiritualidade jesuíta?
O Exame – essa é a coisa que Inácio disse que melhor alavancaria a sua vida espiritual. É uma oração muito fácil de fazer, leva de 15-20 minutos todos os dias e ela sempre ajuda a ver onde Deus está. É a única oração que Inácio disse que os seus jesuítas nunca deveriam omitir.
Qual é a parte mais difícil de aceitar da espiritualidade inaciana para a maioria das pessoas?
A noção de que Deus pode ser encontrado no meio do sofrimento. Quando estamos mais vulneráveis, Deus pode irromper mais, porque as suas defesas estão baixas. Em seu sofrimento, em seu quebrantamento, Deus pode se encontrar com você de novas maneiras, através da bondade que as pessoas mostram, das emoções que você sente.
Você acaba de publicar um novo livro em outubro. Do que ele trata?
Sim, ele está intulado Between Heaven and Mirth: Why Joy, Humor, and Laughter are at the Heart of Spiritual Life. Muitos católicos sentem a necessidade de serem sombrios e que Deus quer que sejamos sérios o tempo todo. Mas Deus quer que experimentemos a alegria. A fé leva à alegria.
Você acha que muitas pessoas levam a religião muito a sério?
Não – a religião precisa ser levada a sério. Eu acho que muitas pessoas religiosas se levam muito a sério. Há muito tempo eu acredito que, se você for mortalmente sério, você está seriamente morto.
(Fonte: IHU)
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