segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

MÍSTICOS E ENGAJADOS

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As experiências espirituais e místicas mostram que não são apenas internas ou "mentais", mas se concretizam num estilo de vida emocional engajado. Mais ainda, a percepção da realidade tida nos "estados expandidos da consciência" é mais acurada do que a normal e habitual. Por isso, as palavras e atitudes expressadas pelos místicos são sempre profundamente calorosas e comprometidas.
A mística não é, pois, fuga da realidade, mas um adentrar-se nela com maior sensibilidade. Se a irrupção do divino nos sentidos ou na mente é sempre iniciativa divina, é ação humana responder generosamente a ela.
Há uma mística tradicional a "dos olhos fechados", apofática (apóphasis= via negativa, pois nada pode definr Deus), da ausência, Teocêntrica, irmã católica da Gnose, que brota na mente e a ilumina. Mas também há outra, a "dos olhos abertos", katafática (katháphasis = via positive, pois as perfeições das criaturasfalam do Criador), da presença, Cristocêntrica, que ilumina a mente, toca o afeto e chega até as mãos traduzindo-se em gesto de serviço e ajuda. Na primeira, a "dos olhos fechados", a pessoa se afasta do barulho mundano, esvazia a própria mente e encontra o Tudo no nada. Desaparecem as partes, o espaço e o tempo, e por instantes a pessoa é arrebatada, iluminada e engrandecida. É uma experiência intra-subjetiva, acontecida no próprio sujeito. Mente iluminada, corpo pacificado, espírito extasiado. É a mística mais clássica e tradicional acontecida quando a pessoa, superando os seus limites, se encanta com o divino encontrado. É uma experiência subjetiva da transcendência do Infinito.
A mística "dos olhos abertos" não é menor do que a primeira, pois também é iluminação do coração que se coloca a serviço daqueles que mais precisam. É uma mística de serviço; encontra o invisível no visível e Deus no meio do barulho do mundo. Experimenta-se, pois, um relacionamento íntimo com Deus e com tudo o criado: pessoas e coisas. Inácio de Loyola é um expoente típico desta mística engajada. Nos Exercícios Espirituais leva o exercitante a fazer a experiência do amor verdadeiro que é, ao mesmo tempo, entrega e compromisso. O amor consiste mais em obras do que em palavras (EE 230). O amor abre o coração e os olhos, os ouvidos e as mãos para servir o diferente. Neste agir fraterno há uma comunhão misteriosa entre o exterior e mundano visto e o interior e divino percebido.
"Ajudar", "servir", "partilhar", verbos pouco usados, podem se transformar em espaços de uma experiência mística incrível. Fazer filantropia é dar do que sobra; ser justo é dar a cada um a parte que lhe corresponde, mas ser místico é dar-se e partilhar o que se é e tem com os mais necessitados. Quando a mente entende, se ilumina; quando o coração ama, se apaixona e serve. É na clareza da mente e na paixão do coração que encontramos sentido e significado. Realmente quem ama não cansa nem descansa!
No estado normal de consciência nos identificamos apenas com uma pequena parte do que somos e fazemos, mas quando compartimos e nos damos, os limites da mente e do coração se expandem até entrar em comunhão com o Criador e o criado. Satisfazendo as nossas necessidades experimentamos a nossa humanidade, mas quando satisfazemos gratuitamente as necessidades dos outros participamos da própria divindade! Recusamos, pois, um espiritualismo desencarnado como um ativismo secularizado.
Oxalá sejamos místicos e engajados e não uma coisa ou outra, pois só a mística nos tira do nosso autismo primitivo e nos aproxima dos outros e do Outro. Parafraseando Adélia Prado: "Tudo o que sinto, vejo, escuto e toco esbarra quase sempre em Deus..."
J. Ramón F. de la Cigoña, S.J

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