sábado, 6 de dezembro de 2008

Paulo, modelo de conversão evangélica (I)

Primeira pregação do Advento do Pe. Raniero Cantalammessa, OFM Cap.

No coração do Ano Paulino, o Pe. Cantalamessa propôs uma reflexão sobre o papel que Cristo ocupa no pensamento e na vida do apóstolo dos povos, para renovar o esforço por colocar Cristo no centro da teologia da Igreja e da vida espiritual dos crentes.
A segunda parte desta meditação será publicada pela Zenit em edições posteriores.
«Mas tudo isso, que para mim eram vantagens, considerei perda por Cristo»
A conversão de São Paulo,
modelo de verdadeira conversão evangélica
O Ano Paulino é uma graça grande para a Igreja, mas representa também um perigo: o de ficar em Paulo, em sua personalidade, sua doutrina, sem dar o passo sucessivo dele a Cristo. O Santo Padre alertou contra este risco na própria homilia com a qual abriu o Ano Paulino, e o reafirmava na audiência geral de 2 de julho: «E este é o fim do ano Paulino: aprender de São Paulo, aprender da fé, aprender de Cristo».
Aconteceu muitas vezes no passado, até dar lugar à tese absurda segundo a qual Paulo, não Cristo, seria o verdadeiro fundador do cristianismo. Jesus Cristo teria sido para Paulo o que Sócrates foi para Platão: um pretexto, um nome sob o qual colocar o próprio pensamento.
O apóstolo, como antes dele João Batista, assinala alguém «maior que ele», do qual não se considera digno sequer de ser apóstolo. Essa tese é a confusão mais completa e a ofensa mais grave que se pode fazer ao apóstolo Paulo. Se voltasse à vida, reagiria contra esta tese com a mesma veemência com que reagiu frente a um mal entendido análogo dos coríntios: «Então estaria Cristo dividido? É Paulo quem foi crucificado por vós? É em nome de Paulo que fostes batizados?» (1 Cor 1, 13).
Outro obstáculo que devemos superar é o de ficar na doutrina de Paulo sobre Cristo, sem deixar-nos contagiar pelo seu amor e pelo seu fogo por Ele. Paulo não quer ser para nós só um sol de inverno, que ilumina, mas não esquenta. O propósito de suas cartas, ao contrário, é o de levar os leitores não só ao conhecimento, mas também ao amor e à paixão por Cristo.
A este segundo objetivo querem contribuir as três meditações do Advento deste ano, a partir desta de hoje e aquela na qual refletiremos sobre a conversão de São Paulo, no acontecimento que, depois a morte e ressurreição de Cristo, foi o mais influenciou no futuro do cristianismo.
1. A conversão de Paulo vista por dentro
A melhor explicação da conversão de São Paulo é dada por ele mesmo quando fala do batismo cristão como ser «batizados na morte de Cristo», «sepultado junto com ele» para ressuscitar com ele e «caminhar em uma vida nova» (cf. Romanos 6, 3-4). Ele viveu em si mesmo o mistério pascal de Cristo, em torno do qual gravitará depois todo seu pensamento. Há também analogias externas impressionantes. Jesus permaneceu três dias no sepulcro; durante três dias, Saulo viveu como um morto: não podia ver, estar em pé, comer; depois no momento do batismo, seus olhos voltaram a abrir-se, pôde comer e retomou as forças, voltou à vida (cf. Atos 9, 18).
Imediatamente depois de seu batismo, Jesus se retirou ao deserto e Paulo também, depois de ser batizado por Ananias, retirou-se ao deserto da Arábia, ou seja, ao deserto ao redor de Damasco. Os exegetas calculam que entre o acontecimento no caminho de Damasco e o início de sua atividade pública na Igreja haja uma dezena de anos de silêncio na vida de Paulo. Os judeus o procuravam para matá-lo, os cristãos não se fiavam ainda e tinham medo dele. Sua conversão recorda a do cardeal Newman, a quem seus antigos irmãos na fé anglicanos consideravam um desertor, e a quem os católicos olhavam com suspeita por suas idéias novas e audazes.
O apóstolo fez um noviciado longo; sua conversão não durou poucos minutos. E em sua kenosis, neste tempo de esvaziamento e de silêncio, é onde acumulou essa energia rompedora e essa luz que um dia derramará sobre o mundo.
Da conversão de Paulo temos duas descrições distintas: uma que descreve o acontecimento, por assim dizer, desde fora, de forma histórica, e outra que descreve o acontecimento desde dentro, de forma psicológica ou autobiográfica. O primeiro tipo é o que encontramos nas diversas narrações que se lêem nos Atos dos Apóstolos. A ele pertencem também alguns esboços que o próprio Paulo faz do acontecimento, explicando como de perseguidor se transformou em apóstolo de Cristo (cf. Gál 1, 13-14).
Ao segundo tipo pertence o capítulo 3 da Carta aos Filipenses, onde o Apóstolo descreve o que significou para ele, subjetivamente, o encontro com Cristo, o que era antes e o que chegou a ser depois; em outras palavras, em que consistiu, essencial e religiosamente, a mudança realizada em sua vida. Nós nos concentramos neste texto que, por analogia com a obra de Santo Agostinho, poderíamos definir como «as confissões de São Paulo».
Em toda mudança há um terminus a quo e um terminus ad quem, um ponto de partida e um ponto de chegada. O apóstolo descreve antes de tudo o ponto de partida, o que era antes: «No entanto, eu poderia confiar também na carne. Se há quem julgue ter motivos humanos para se gloriar, maiores os possuo eu: circuncidado ao oitavo dia, da raça de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu e filho de hebreus. Quanto à lei, fariseu; quanto ao zelo, perseguidor da Igreja; quanto à justiça legal, declaradamente irrepreensível» (Filipenses 3, 4-6).
Alguém pode equivocar-se facilmente ao ler esta descrição: estes não eram títulos negativos, mas os máximos títulos de santidade daquele tempo. Com eles se teria podido abrir imediatamente o processo de canonização de Paulo, se isso existisse naquela época. É como dizer hoje de si: batizado no oitavo dia, pertencente à estrutura por excelência da salvação, a Igreja Católica, membro da ordem religiosa mais austera da Igreja (este eram os fariseus!), grande observador da Regra...
Ao contrário, no texto há um ponto que divide em duas a página e a vida de Paulo. Começa com um «mas» que cria um contraste total: «Mas tudo isso, que para mim eram vantagens, considerei perda por Cristo. Na verdade, julgo como perda todas as coisas, em comparação com esse bem supremo: o conhecimento de Jesus Cristo, meu Senhor. Por ele tudo desprezei e tenho em conta de esterco, a fim de ganhar Cristo» (Filipenses 3, 7-8).
Ele repete três vezes o nome de Cristo neste breve texto. O encontro com ele dividiu sua vida em duas, criou um antes e um depois. Um encontro personalíssimo (é o único texto onde o apóstolo usa o singular «meu», não «nosso» Senhor) e um encontro existencial mais que mental. Ninguém poderá jamais conhecer a fundo o que aconteceu naquele breve diálogo: «Saulo, Saulo!»; «Quem és, Senhor?»; «Eu sou Jesus». Uma «revelação», define ele (Gál 1, 15-16). Foi uma espécie de fusão a fogo, um relâmpago de luz que, ainda hoje, tendo passado dois mil anos, ilumina o mundo.

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