quarta-feira, 16 de julho de 2008

Respostas do Papa aos jornalistas rumo a Sydney (I)

-Lucio Brunelli, jornalista da Rai, canal público da televisão italiana: Santidade, esta é sua 2ª Jornada Mundial da Juventude (JMJ); a primeira, por assim dizer, totalmente sua. Com quais sentimentos se dispõe a vivê-la e qual é a principal mensagem que deseja deixar aos jovens? Por outro lado, o senhor acha que as Jornadas Mundiais da Juventude influenciam profundamente na vida da Igreja que as acolhe? E, por último, pensa que a fórmula desses encontros de massa continua sendo atual?
-Bento XVI: Vou com sentimentos de grande alegria à Austrália. Tenho belíssimas recordações da JMJ de Colônia: não foi simplesmente um acontecimento de massa, foi sobretudo uma grande festa da fé, um encontro humano da comunhão em Cristo. Vimos como a fé abre as fronteiras, tem realmente uma capacidade de união entre as diferentes culturas, e cria alegria. E espero que aconteça a mesma coisa agora na Austrália. Por este motivo, estou contente ao ver muitos jovens, e vê-los unidos no desejo de Deus e no desejo de um mundo realmente humano. A mensagem essencial se apresenta nas palavras que constituem o slogan desta JMJ: falamos do Espírito Santo que nos torna testemunhas de Cristo. Portanto, quero concentrar minha mensagem precisamente nesta realidade do Espírito Santo, que se apresenta em várias dimensões: é o Espírito que atua na criação. A dimensão da criação está muito presente, pois o Espírito é criador. Parece-me um tema muito importante em nosso momento atual. Mas o Espírito é também inspirador da Escritura: em nossos passos, à luz da Escritura, podemos caminhar junto ao Espírito Santo. O Espírito Santo é Espírito de Cristo; portanto, Ele nos guia em comunhão com Cristo e finalmente se mostra, segundo São Paulo, nos carismas, ou seja, em um grande número de dons inesperados que mudam segundo os diferentes tempos e que dão nova força à Igreja. E, portanto, estas dimensões nos convidam a ver os sinais do Espírito e a tornar o Espírito visível também para os demais.
Uma JMJ não é simplesmente um acontecimento deste momento: é preparada com um longo caminho com a Cruz e com o ícone de Nossa Senhora. Prepara-se desde o ponto de vista da organização, mas também espiritual. Portanto, estes dias não são mais que o momento culminante de um longo caminho precedente. Tudo é fruto de um caminho, de unir-nos em caminho rumo a Cristo. A JMJ também cria uma história, ou seja, cria amizades, novas inspirações: desse modo, a JMJ continua. Isso me parece muito importante: não se pode somente ver esses três ou quatro dias, mas é preciso ver todo o caminho que precede e o que segue. Neste sentido, acho eu, a JMJ, ao menos para o nosso futuro próximo, é uma fórmula válida que nos prepara para compreender que desde diferentes pontos de vista e de diferentes partes da terra, avançamos rumo a Cristo e rumo à comunhão. Aprendemos assim, de novo, a caminhar juntos. Neste sentido, espero que também seja uma fórmula para o futuro.
-Paul John Kelly, jornalista de «The Australian», um dos grandes jornais desse país: Santo Padre, quero apresentar minha pergunta em inglês. A Austrália é um país sumamente secularizado, com pouca prática religiosa e muita indiferença religiosa. Quero perguntar-lhe: o senhor é otimista diante do futuro da Igreja na Austrália? Está preocupado ou alarmado pelo fato de que a Igreja na Austrália siga o caminho rumo à queda da Europa? Qual a mensagem que deixará para a Austrália para superar sua indiferença religiosa?
-Bento XVI: Falarei da melhor forma que eu puder em inglês, ainda que peço seu perdão por minhas deficiências no inglês. Creio que a Austrália, em sua configuração histórica atual, faz parte do «mundo ocidental», econômica e politicamente e, portanto, está claro que a Austrália compartilha os êxitos e os problemas do mundo ocidental. O mundo ocidental experimentou nos últimos 50 anos grandes êxitos: êxitos econômicos, êxitos tecnológicos; contudo, a religião – a fé cristã – está, em certo sentido, em crise. Isso está claro, pois se dá a impressão de que não temos necessidade de Deus, podemos fazer tudo com nossas forças, não temos necessidade de Deus para ser felizes, não temos necessidade de Deus para criar um mundo melhor, Deus não é necessário, podemos fazer tudo por nós mesmos. Por outro lado, vemos que a religião está sempre presente no mundo e sempre estará. Podemos ver uma diminuição da religião na Europa: certamente há uma crise na Europa, algo menos nos Estados Unidos, e na Austrália, Mas, por outro lado, dá-se sempre uma presença da fé em novas formas e de novas maneiras; em minoria, talvez, mas sempre presente para que toda a sociedade a veja. E agora, neste momento histórico, começamos a ver que temos necessidade de Deus. Podemos fazer muito, mas não podemos criar nosso clima. Pensávamos que podíamos fazer, mas não podemos. Temos necessidade do dom da terra, do dom da água, precisamos do Criador; o Criador volta a aparecer em sua criação. Deste modo, compreendemos que não podemos ser realmente felizes, não podemos promover realmente a justiça para o mundo inteiro, sem um critério, sem um Deus que é justo, e que nos dá a luz e a vida. Portanto, penso que em certo sentido se dará uma crise para nossa fé neste «mundo ocidental», mas sempre teremos um renascimento da fé, pois a fé cristã é simplesmente verdadeira, e a verdade estará sempre presente no mundo humano, e Deus sempre será a Verdade. Neste sentido, em último termo, sou otimista.
-Auskar Surbakti, do canal de televisão australiano SBS: Santo Padre, desculpe, mas não falo bem italiano. Portanto, eu lhe apresentarei minha pergunta em inglês. As vítimas de abusos sexuais do clero, na Austrália, fizeram-lhe um chamado, Santidade, para que enfrente a questão e peça perdão às vítimas durante sua visita à Austrália. O próprio cardeal Pell disse que seria apropriado para o Papa que enfrente a questão, e o senhor fez um gesto semelhante em sua recente viagem aos Estados Unidos. Santidade, falará da questão dos abusos sexuais e pedirá perdão?
-Bento XVI: Sim, o problema é essencialmente o mesmo que nos Estados Unidos. Eu me senti na obrigação de falar sobre isso nos Estados Unidos, pois é essencial para a Igreja reconciliar, prevenir, ajudar e reconhecer suas culpas nestes problemas. Assim, que direi essencialmente o mesmo que disse nos Estados Unidos. Como disse, temos de esclarecer três aspectos: o primeiro é nosso ensinamento moral. Deve ficar claro, sempre foi claro desde os primeiros séculos, que o sacerdócio, ser sacerdote, é incompatível com este comportamento, pois o sacerdote está ao serviço de Nosso Senhor, e nosso Senhor é a santidade em pessoa. A Igreja sempre insistiu nisso. Temos de refletir o que faltou em nossa educação, em nosso ensino nas décadas passadas: nas décadas dos anos 50, 60 e 70 se dava a idéia do proporcionalismo em ética, segundo o qual, não há nada mal em si mesmo, mas em proporção aos demais. Segundo o proporcionalismo, pensava-se que algumas coisas, inclusive a pedofilia, podiam ser, em certa proporção, boas. Agora deve ficar claro que esta nunca foi a doutrina católica. Há coisas que sempre são más, e a pedofilia sempre é má. Em nossa educação, nos seminários, em nossa formação permanente dos sacerdotes, temos de ajudar os sacerdotes a estarem realmente perto de Cristo, aprender de Cristo, e deste modo ser de ajuda e não inimigos para nossos irmãos, para os cristãos. Portanto, faremos todo o possível para esclarecer o ensinamento da Igreja e para ajudar na educação e na preparação dos sacerdotes, com a formação permanente, e faremos todo o possível para curar e reconciliar as vítimas. Creio que este é o conteúdo essencial da expressão «pedir perdão». Creio que é melhor e mais importante o conteúdo da fórmula e penso que o conteúdo tem de explicar as deficiências de nosso comportamento, o que temos de fazer neste momento, como podemos prevenir e como podemos, todos, curar e reconciliar.

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