A China ainda respira ares olímpicos. Um respiro de alegria, provavelmente com sua dose de alívio. Todo mundo ainda se lembra das imagens da celebração de abertura, espetáculo grandioso. O que mais me chama a atenção quando penso nos Jogos Olímpicos, porém, são os limites do corpo humano. Inúmeros recordes foram quebrados. Depois de Pequim, o homem corre mais rápido, salta mais alto, nada mais ligeiro e voa mais ágil. Olhando para a vida normal desde essas alturas, nossos minutos quotidianos parecem desprezíveis.Quando tudo se decide com base nos milímetros, nos décimos, nos centésimos de segundo, nossas urgências parecem mesquinhas. Que teríamos em comum com os super-atletas?Em meu entender, eles revelam pelo exagero algo que está em nossa mais comum realidade: sempre tentamos superar os limites de nosso corpo. Desde o primeiro homem. Desde que o primeiro ser humano inventou a primeira e mais rudimentar ferramenta, manifestou sua inconformidade com nossos limites mais elementares: o tempo e o espaço. E desde esse momento, apesar de conflitos e reveses, é como se a humanidade inteira colaborasse no processo de constante superação dos limites que envolvem nosso corpo. Um dia, talvez dezenas de gerações adiante, os centésimos ganhos traduzir-se-ão em segundos, em minutos, em quilômetros, em uma forma de viver e de se relacionar com o corpo que não será mais a nossa. Somos mais altos e mais rápidos que nossos ancestrais, mas seremos superados por nossos descendentes.Há um lado perverso nesse movimento. Enquanto a expansão dos nossos limites nos inebria através da lente de aumento dos Jogos Olímpicos, o ideal de fraternidade, de paz e de dignidade que esse evento porta é obscurecido pelo silêncio dos que jamais serão medalhistas. Sequer concorrentes. Sequer atletas. Assistindo os jogos, cada premiação deixava em mim um sentimento contraditório. Talvez seja parte de meu desconforto com comparações, mas não consigo deixar de perceber o silêncio que encobria as medalhas, comparável ao silêncio das guerras: o silêncio dos vencidos e o silêncio das vítimas. Exagero meu, certamente. Mas não é exagero pensar quanto foi investido não somente no treinamento dos atletas, mas no evento inteiro. E, feitas as contas, a conquista desses milésimos, centésimos, mesmo décimos de segundo pode ter custado a vida de muitas mulheres e homens.A questão é sempre aritmética: quantos precisam sofrer para que outros sejam mais felizes. Ou, de modo mais disfarçado: quanto custa o progresso? Eu a rejeito, porém, essa forma de comparar o incomparável. Em cada ser humano, lento ou rápido, ágil ou não, está a humanidade inteira. E se há conquista a ser feita, não se trata apenas de lutar por igualdade de oportunidades, mas a execução da tarefa constante e exigente de buscar e ajudar a encontrar o lugar que corresponde a cada um. Sem jamais esquecer que o “todo mundo” é feito de um “cada um”. Nesse exercício, sim, há uma medalha de outro esperando por cada um de nós.
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