quarta-feira, 4 de junho de 2008

Pe. Antônio Vieira, pregador e missionário (II)

Entrevista ao Pe. Geraldo Antônio Coelho de Almeida, S.J. feito pela Agência Zenit

Foi em Roma que a fama de pregador do Pe. Antônio Vieira ganhou ainda mais força, não?
--Pe. Geraldo Coelho de Almeida: Em Roma, Vieira começa a se manifestar, inicialmente não ainda com sermões, mas por meio da participação em academias. A rainha Cristina de Suécia tinha renunciado ao reino na Suécia. Ela era católica e o clima ficou conturbado de tal maneira que ela não pôde mais governar. Então a rainha levou a corte para Roma e ali promovia grandes saraus literários. O Pe. Vieira foi convidado a participar. Ele brilhou de tal modo que isso lhe valeu a suspensão de todas as penas do Santo Ofício, inclusive um salvo-conduto que o Papa lhe deu, pelo qual ele não poderia ser condenado por nenhum tribunal do Santo Ofício sem que Roma fosse ouvida. Com isso ele ficou livre. E dessa fase há alguns sermões importantes que ele pronunciou em igrejas de Roma, sobretudo na igreja de Santo Antônio dos Portugueses. Lá ele pregou o famoso sermão de Quarta-feira de Cinzas. Este é um sermão paradigmático, um modelo de sermão. Até hoje é considerado uma obra-prima pelos cursos de literatura: «lembra-te homem, que és pó, e em pó te hás de converter». Em um outro sermão que ele faz na mesma igreja, no ano seguinte, ele faz o contraponto: «lembra-te pó, que és homem...», e aí ele argumenta de outra maneira para mostrar que o pó virou homem e foi redimido pelo sangue de Cristo. Na academia de Cristina de Suécia também existia um tipo de disputa entre discursos. Em uma ocasião, foi colocado em disputa quem era mais feliz, Heráclito que chorava ou Demócrito que sorria. O adversário ficou com a parte de que era mais feliz quem sorria e pronunciou um sermão muito bonito. Vieira ficou com a parte que dizia que era mais feliz quem chorava. E aí começa assim: felizes os que choram, porque serão consolados. A partir daí ele faz todo um jogo de palavras, numa linguagem barroca, e no fim ele vence.
--Qual foi a próxima etapa de sua vida?
--Pe. Geraldo Coelho de Almeida: De Roma, Vieira retorna a Lisboa. Alguns amigos dele já tinham morrido, outros, caído na desgraça. O certo é que o clima não estava favorável para ele. E aí Vieira volta definitivamente para o Brasil e vai para a Bahia, onde era a sede da província dos jesuítas. Ali ele gasta o resto dos seus anos, a um tempo que prega e pronuncia sermões em Salvador, tendo como atividade principal arrumar os sermões para publicação, para a qual ele já tinha encontrado patrocinadores. Alguns textos até já tinham sido publicados e traduzidos para o espanhol e o italiano. Então ele passa o fim de sua vida trabalhando nisso e também escrevendo outros livros.
--Fale-nos da importância literária de Pe. Vieira.
--Pe. Geraldo Coelho de Almeida: A qualidade literária dos sermões de Pe. Antônio Vieira é tamanha que Fernando Pessoa o chamou de o «imperador da língua portuguesa». Às vezes, uma regra estabelece um modo de fazer. Mas se Vieira disse de modo diferente, a gente pode usar, porque ele é um clássico da língua. Por exemplo, o verbo alumiar. Você deveria dizer «alumia». Mas muitas vezes se vai ao interior e ouve-se «alumeia». Então alguém pergunta: «Alumeia» está certo? Vieira tem uma frase que diz: «o preguiçoso e a candeia assim queima e aos outros alumeia». Ora, se Vieira usou «alumeia», eu também posso usar. E assim por diante.
Mas Vieira não foi importante apenas porque é o imperador da língua portuguesa. Foi o maior orador da língua portuguesa, porque escreveu com grande propriedade e deu forma à língua portuguesa, que ainda estava se estruturando. Além disso, Vieira foi um grande missionário, um ardoroso missionário. O sermão era um instrumento. Tinha grande importância o que ele queria pronunciar no sermão, a sua capacidade de convencer o auditório. Às vezes ele investia contra os poderosos, até contra o rei, usando artifícios de linguagem.
Tem um sermão em que ele diz assim: «se eu estivesse no confessionário e não no púlpito, eu diria aos funcionários do rei...», aí ele diz tudo, os defeitos, as coisas que eles não faziam. Isso na frente do rei, na frente dos ministros que estavam naquela celebração. Depois, ele continua, «mas como eu estou no púlpito e não no confessionário..., admiro-me com as turbas». Então ele prosseguia: «se eu estivesse no confessionário e não estivesse no púlpito, eu diria aos ministros do rei...», e dizia todas as falhas da atuação dos ministros nas províncias. E finalmente ele vai chegar ao rei, que estava presente, e diz: «se eu estivesse no confessionário e não estivesse no púlpito, eu diria ao rei...», aí ele faz várias advertências, e então prossegue: «mas como eu estou no púlpito..., admiro-me com as turbas» - Et admiratae sunt turbae. Por meio dos artifícios de linguagem, ele mandava seu recado e tentava mover os corações para uma prática cristã que fosse mais coerente com o Evangelho.

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