Comentário do Pe. Cantalamessa sobre a liturgia deste X domingo do Tempo Comum
Há algo comovente no Evangelho dominical. Mateus não relata algo que Jesus disse ou fez um dia a alguém, mas o que disse e fez pessoalmente por ele. É uma página autobiográfica, a história do encontro com Cristo que mudou sua vida. «Partindo dali, Jesus viu um homem chamado Mateus, sentado na coletoria de impostos, e disse-lhe: ‘Segue-me!’ Ele se levantou e seguiu Jesus.»
O episódio, contudo, não é citado nos Evangelhos pela importância pessoal que revestia para Mateus. O interesse se deve a tudo que segue ao momento do chamado. Mateus quis oferecer «um grande banquete em sua casa» para despedir-se de seus antigos companheiros de trabalho, «publicanos e pecadores». Não podia faltar a reação dos fariseus e a resposta de Jesus: «Aqueles que têm saúde não precisam de médico, mas sim os doentes. Aprendei, pois, o que significa: ‘Quero misericórdia e não sacrifício’». O que significa esta frase do profeta Oséias que Jesus repetiu? Acaso é inútil todo sacrifício e mortificação e que basta amar para que tudo esteja bem? Partindo desta passagem, pode-se chegar a rejeitar todo o aspecto ascético do cristianismo, como resíduo de uma mentalidade aflitiva ou maniqueísta, hoje superada.
Antes de tudo, deve-se observar uma profunda mudança de perspectiva na passagem de Oséias a Cristo. Em Oséias, a expressão se refere ao homem, ao que Deus quer dele. Deus quer do homem amor e conhecimento, não sacrifícios exteriores e holocaustos de animais. Nos lábios de Jesus, a expressão se refere a Deus. O amor de que se fala não é o que Deus exige do homem, mas o que dá ao homem. «Quero misericórdia e não sacrifício» significa: quero usar misericórdia, não condenar. Seu equivalente bíblico é a palavra que se lê em Ezequiel: «Não quero a morte do pecador, mas que se converta e viva». Deus não quer «sacrificar» a sua criatura, mas salvá-la.
Com esta observação, entende-se melhor também a expressão de Oséias. Deus não quer o sacrifício a «todo custo», como se gostasse de nos ver sofrer; não quer tampouco o sacrifício realizado para alegar direitos e méritos diante d’Ele, ou por um mal-entendido sentido do dever. Quer, ao contrário, o sacrifício que é requerido por seu amor e pela observância dos mandamentos. «Não se vive em amor sem dor», diz a Imitação de Cristo, e a própria experiência cotidiana confirma isso. Não há amor sem sacrifício. Neste sentido, Paulo nos exorta a fazer de toda nossa vida «um sacrifício vivo, santo e agradável a Deus».
Sacrifício e misericórdia são ambos coisas boas, mas podem tornar-se prejudiciais se forem mal distribuídos. São coisas boas quando (como fez Cristo) se escolhe o sacrifício para si e a misericórdia para os demais; tornam-se más quando se faz o contrário e se escolhe a misericórdia para si e o sacrifício para os demais. Se formos indulgentes conosco mesmos e rigorosos com os demais, dispostos sempre a desculpar-nos e a ser impiedosos para julgar os demais, não temos nada que revisar a respeito de nossa conduta?
Não podemos concluir o comentário da vocação de Mateus sem dedicar um pensamento afetuoso e agradecido a este evangelista que nos acompanha, com seu Evangelho, no curso de todo este primeiro ano litúrgico. Obrigado, Mateus, chamado também de Levi. Sem ti, como seria pobre nosso conhecimento de Cristo!
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