Hoje, festa da páscoa do Senhor, quero desejar a todos os leitores dessa coluna uma Feliz Páscoa. Mas o que é uma feliz Páscoa? Em um mundo que fez do consumo a razão de viver, a Páscoa, como o Natal, também se tornou uma festa cujo valor passou a ser medido pelas compras e vendas. O ser humano é feliz quando tem uma razão para viver. Mas não basta uma razão qualquer. Uma razão qualquer funciona precariamente. Fazem parte de nossa vida as alegrias do dia a dia, tais como a vitória de nosso time preferido, o sucesso em algum empreendimento, o nascimento de um filho, uma festa de casamento, etc... Como é bom desfrutar da vida, tirando de cada acontecimento a cota de felicidade que ele nos oferece!
Há pessoas que pensam ser felizes acumulando riquezas, granjeando simpatias, conquistando poder e prestígio. Agostinho de Hipona buscou na retórica e no amor humano a felicidade. Seu coração, entretanto, continuou inequieto, até que encontrou a verdade de Deus. Se sofrimentos e decepções não fizessem parte de nossa existência, ainda assim, inquieto e insatisfeito cotinuaria nosso coração, porque as alegrias dessa vida, mesmo as mais intensas, são todas elas insuficientes diante da profundidade de nosso desejo. Queremos vida e vida em plenitude. Mas existem os sofrimentos, inevitáveis e, muitas vezes, pungentes: a doença, os acidentes, as traições de amigos, as decepções das promessas de amor não cumpridas, a perda de uma pessoa querida e muitos outros.
Mais ainda: no cerne de nosso existir reside à certeza da morte. Teremos nós surgido do nada e ao nada estaríamos destinados? Será nossa existência como um raio cujo brilho é engolido pela escuridão da noite? Se nossa existência caminha inevitavelmente para morte, o que significa viver? Como dar sentido à vida? Há machos na espécie animal que morrem ao fecundar as fêmeas. O sentido de suas vidas é garantir a continuidade da espécie. O sentido da vida do indivíduo humano seria apenas este: garantir o futuro da espécie? Conseguiríamos ser felizes empenhando-nos em construir um futuro feliz para os que virão depois de nós? E qual será o destino final da espécie? Haverá um fim da história e, portanto, o desaparecimento da espécie humana? Se não, que sentido terá a sucessão sem fim das gerações humanas, todas movidas pela esperança de uma felicidade, que se esvai com a morte. Freud, ao se confrontar com essa questão, aponta como única solução possível a resignação: o ser humano adulto assume sua finitude com coragem, sem apelar para a religião, forma suprema de negação da realidade. Haverá verdade plena e justiça no amanhã intra-histórico? Ou será vã a luta dos que sonham com um mundo diferente?
Em sua Encíclica sobre a esperança cristã, O Papa, Bento XVI, cita o filósofo Adorno, da escola de Frankfurt, que afirmou que a justiça, uma verdadeira justiça, requereria um mundo “onde não só fosse anulado o sofrimento presente, mas também revogado o que passou irrevogavelmente”. Isto, porém, afirma o Papa, “significaria que não pode haver justiça sem ressurreição dos mortos e, concretamente, sem a sua ressurreição corporal”(n. 42).
Estamos aqui no centro da fé cristã: a ressurreição dos mortos. Jesus, depois de assumir em si, as dores da humanidade e suas misérias, até a morte, e morte de Cruz, “ressuscitou ao terceiro dia e, tendo subido aos céus, está assentado á direita do Pai, donde há de vir para julgar os vivos e mortos”. O Juizo final, passada a figura desse mundo, será o resgate pleno da verdade, tantas vezes espezinhada no tempo da história, e a instauração definitiva da justiça, “onde não só será anulado o sofrimento presente, mas ficará também revogado o que passou irrevogavelmente”, como pensara Adorno a respeito de uma verdadeira justiça para a história humana.
E eu pergunto ao leitor: se, como afirmou Adorno, a plena justiça exigiria não só a abolição do sofrimento no presente, mas também a revogação do sofrimento passado, não é sensato, razoável, levar a sério o testemunho dos apóstolos de que Jesus ressuscitou e de que toda a humanidade tem nele seu Salvador e Juiz? Se o bom e justo é que haja um desfecho justo e bom para a história humana, por que conservar no coração essa tristeza que tornava sombrio o rosto dos discípulos de Emaús quando voltavam para a rotina de seu cotidiano sem esperança, depois da decepção da morte de Jesus?
A sombra que turva o rosto da humanidade é a sombra da morte. O brilho da esperança volta quando nossos olhos começam a beber a luz do Ressuscitado. Faz-se, então, luz nos olhos e calor no coração: “neste momento seus olhos se abriram e eles o reconheceram. Ele, porém, desapareceu da vista deles. Então um disse ao outro: ‘não estava ardendo nosso coração quando Ele nos falava pelo caminho e nos explicava a Escrituras?’(Lc 24,32)”.
Há pessoas que pensam ser felizes acumulando riquezas, granjeando simpatias, conquistando poder e prestígio. Agostinho de Hipona buscou na retórica e no amor humano a felicidade. Seu coração, entretanto, continuou inequieto, até que encontrou a verdade de Deus. Se sofrimentos e decepções não fizessem parte de nossa existência, ainda assim, inquieto e insatisfeito cotinuaria nosso coração, porque as alegrias dessa vida, mesmo as mais intensas, são todas elas insuficientes diante da profundidade de nosso desejo. Queremos vida e vida em plenitude. Mas existem os sofrimentos, inevitáveis e, muitas vezes, pungentes: a doença, os acidentes, as traições de amigos, as decepções das promessas de amor não cumpridas, a perda de uma pessoa querida e muitos outros.
Mais ainda: no cerne de nosso existir reside à certeza da morte. Teremos nós surgido do nada e ao nada estaríamos destinados? Será nossa existência como um raio cujo brilho é engolido pela escuridão da noite? Se nossa existência caminha inevitavelmente para morte, o que significa viver? Como dar sentido à vida? Há machos na espécie animal que morrem ao fecundar as fêmeas. O sentido de suas vidas é garantir a continuidade da espécie. O sentido da vida do indivíduo humano seria apenas este: garantir o futuro da espécie? Conseguiríamos ser felizes empenhando-nos em construir um futuro feliz para os que virão depois de nós? E qual será o destino final da espécie? Haverá um fim da história e, portanto, o desaparecimento da espécie humana? Se não, que sentido terá a sucessão sem fim das gerações humanas, todas movidas pela esperança de uma felicidade, que se esvai com a morte. Freud, ao se confrontar com essa questão, aponta como única solução possível a resignação: o ser humano adulto assume sua finitude com coragem, sem apelar para a religião, forma suprema de negação da realidade. Haverá verdade plena e justiça no amanhã intra-histórico? Ou será vã a luta dos que sonham com um mundo diferente?
Em sua Encíclica sobre a esperança cristã, O Papa, Bento XVI, cita o filósofo Adorno, da escola de Frankfurt, que afirmou que a justiça, uma verdadeira justiça, requereria um mundo “onde não só fosse anulado o sofrimento presente, mas também revogado o que passou irrevogavelmente”. Isto, porém, afirma o Papa, “significaria que não pode haver justiça sem ressurreição dos mortos e, concretamente, sem a sua ressurreição corporal”(n. 42).
Estamos aqui no centro da fé cristã: a ressurreição dos mortos. Jesus, depois de assumir em si, as dores da humanidade e suas misérias, até a morte, e morte de Cruz, “ressuscitou ao terceiro dia e, tendo subido aos céus, está assentado á direita do Pai, donde há de vir para julgar os vivos e mortos”. O Juizo final, passada a figura desse mundo, será o resgate pleno da verdade, tantas vezes espezinhada no tempo da história, e a instauração definitiva da justiça, “onde não só será anulado o sofrimento presente, mas ficará também revogado o que passou irrevogavelmente”, como pensara Adorno a respeito de uma verdadeira justiça para a história humana.
E eu pergunto ao leitor: se, como afirmou Adorno, a plena justiça exigiria não só a abolição do sofrimento no presente, mas também a revogação do sofrimento passado, não é sensato, razoável, levar a sério o testemunho dos apóstolos de que Jesus ressuscitou e de que toda a humanidade tem nele seu Salvador e Juiz? Se o bom e justo é que haja um desfecho justo e bom para a história humana, por que conservar no coração essa tristeza que tornava sombrio o rosto dos discípulos de Emaús quando voltavam para a rotina de seu cotidiano sem esperança, depois da decepção da morte de Jesus?
A sombra que turva o rosto da humanidade é a sombra da morte. O brilho da esperança volta quando nossos olhos começam a beber a luz do Ressuscitado. Faz-se, então, luz nos olhos e calor no coração: “neste momento seus olhos se abriram e eles o reconheceram. Ele, porém, desapareceu da vista deles. Então um disse ao outro: ‘não estava ardendo nosso coração quando Ele nos falava pelo caminho e nos explicava a Escrituras?’(Lc 24,32)”.
* Dom Eduardo Benes, 66, é arcebispo de Sorocaba (SP)
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