quinta-feira, 24 de abril de 2008

O SANTO NECESSÁRIO

Todo ser humano tem sede de santidade. Quem quiser que o negue, mas toda pessoa é sedenta de transcendência. É uma questão de antropologia, de sabedoria humana, de conhecimento da alma. A maior parte dos equívocos, no entanto, aparecem no modo de compreender o santo, ao meu ver.O primeiro aspecto da santidade que nos aparece é talvez o moral. Os santos seriam aquelas pessoas perfeitas, sem “mancha” – compondo com essa imagem uma existência absolutamente irreal. Afinal, todos os seres que vivem no tempo e no espaço carregam no corpo as cicatrizes do movimento. Mesmo as pedras. Por isso, a santidade sobre a qual escrevo é aquela composta na luta do dia-a-dia e feita mais de tentativas do que de acertos, menos de posse e mais de desejo de um agir melhor.A segunda forma de santidade que nos vem à mente com freqüência é a da quietude. Os santos seriam como os anjos (provavelmente outra categoria carregada de equívocos em nosso imaginário), pacificamente contemplando Deus em sua eternidade. (A publicidade não cessa de explorar negativamente esse estereótipo, retratando o inferno como um lugar animado). Ledo engano, embora não tão ledo quanto pareça. Afinal, esse modo de pensar afasta-nos de uma compreensão adulta da religião. Os Bolandistas, grupo de historiadores jesuítas fundado na Bélgica há mais de quatrocentos anos, dedica-se até hoje a um estudo critico da hagiografia. Esse esforço ajudou-nos a contemplar o fogo, a impaciência, a inquietude que moram dentro das mulheres e homens mais próximos da divindade. Aqueles e aquelas nas quais reconhecemos os sinais da santidade são seres de urgência. E que o inferno fique com os inertes.Finalmente, uma última falsa imagem: santo não tem afeto, não se casa e não tem filho. É verdade que esse engano é alimentado pelo fato de que a maior parte dos santos reconhecidos pela Igreja Católica sejam celibatários. Mesmo a esses seria inadequado atribuir o rótulo das relações distantes – basta olhar a ternura de Teresa com o povo das ruas de Calcutá, por exemplo. Indo além, no entanto, é bom darmo-nos conta que o reconhecimento da santidade pela Igreja é uma situação especial, uma indicação extraordinária sobre a presença do Absoluto na vida de alguém. A maior parte dos santos está ao nosso lado. A maior parte dos exemplos de santidade de que necessitamos está bem perto de nós, e essa santidade transparece sobretudo na forma como o afeto é dispensado. Quem se põe à escuta das Escrituras sabe que Deus é amor. Por que haveriam os santos de ser diferentes, menos encarnados que Deus?Todos conhecemos o verso de Mar Português, de Fernando Pessoa: “Tudo vale a pena se a alma não é pequena”. Sobretudo quando nossa alma quer traduzir-se em gestos de plenitude que iluminam o mundo. Essa verdade não se restringe à visão religiosa da vida, e todo ser humano é melhor e mais feliz quanto mais voltado para o Outro, para os outros. Afinal, como dizia outro poeta, Vinicius de Moraes, “quem de dentro de si não sai vai morrer sem amar ninguém”. Eis o santo necessário.

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