Um bairro. As casas voltadas umas para as outras. Trovoada seca. E, de repente, uma chuva torrencial que começa. Ouve-se dentro de casa. Instintivamente, saio para a varanda. Olho o céu: escuro. Olho e sinto a chuva: frescura. Olho em volta e reparo que, como eu, várias pessoas se aproximaram das janelas ou das varandas.Fico a reparar. Uns fecham rapidamente as janelas e desaparecem. Outros acrescentam ao fechar os vidros, o fechar as persianas. Outros permanecem. Acolhem a chuva que cai. Outros falam para dentro de casa e, rapidamente, alguém se lhes junta. Partilham este acolher. (Há até quem vá regar os vasos que não estão ao alcance desta chuva.)E eu? Observo tudo isto, enquanto me deixo molhar pela chuva que cai cada vez com mais intensidade. Sei-me a partilhar este momento com imensa gente: estes que posso ver e outros que imagino a fazerem o mesmo em qualquer outro local.Olho este quadro e penso na Igreja. Deus que Se propõe - não Se impõe! -, variando na forma de apresentar a Sua proposta. E eu (e nós) acolho (acolhemos) esta proposta… ou não! Às vezes, será mais fácil fechar-me, até nem ver o que me é dado – como que fechando janelas e persianas à chuva e à trovoada -, numa facilidade quase imediata de terminar com aquilo que me provoca, que me incomoda, que me desinstala. Ou, então, posso experimentar acolher. Experimentar deixar-me tocar, deixar-me molhar, deixar-me inundar, deixar-me afectar, deixar-me ferir. E tocá-Lo. Escutá-Lo. Vê-Lo. Nos outros. Em cada um. E, nesta experiência, encontrar outros. Encontrar-me com eles. Comigo. Com Deus. Em Igreja. Sendo Igreja.Aceitando esta proposta, este encontro, este confronto com Jesus, proponho-me seguir um caminho trabalhoso e paciente de questões, deixando que Ele Se diga na minha vida. Abro-me à Sua novidade: o desafio a um novo ver, a um novo olhar sobre tudo, numa experiência, por vezes, desconcertante. Deixo-me encontrar em desprotegida entrega. E Ele está disponível para vir habitar também o meu interior. E vem. Mas essa vinda não acontece sem mim, sem a minha vida, sem as minhas lágrimas e os meus sorrisos, sem as minhas alegrias e as minhas tristezas, sem os meus sonhos, sem a entrega daquilo que sou. E reconheço-Lhe ou não autoridade. E acredito que vale ou não a pena segui-Lo. Escolho ou não segui-Lo. Com outros. Sendo Igreja.Escolho. Sigo-O. Desejo reconhecer-me na identidade de Jesus, unindo o meu Amor a Deus ao meu Amor aos outros e que isso se manifeste em gestos que dão vida (por mais pequeninos e simples que sejam). Desejo acolher tudo quanto me quer oferecer: Deus é dedicação incondicional – para mim! Vejo-O, porque sou vista. Reconheço-O, porque sou reconhecida. Deixo que transforme a minha vida. Aceito, numa maneira inteira e confiada, que Se relacione comigo, atingindo a profundidade da minha vida e do meu ser, dando a toda a realidade uma nova perspectiva. E, desta relação, crescerá a relação com os outros e nelas nos encontraremos e reconheceremos. E partiremos ao encontro de todos os lugares humanos. Somos Igreja.
Margarida Corsino da Silva
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