sábado, 8 de novembro de 2008

Meditação por ocasião da Dedicação da Basílica de São João de Latrão

É necessário uma igreja para ser cristão?
João 2, 13-22
Pe. Cantalamessa, OFM


Esta é a casa de Deus!
Este ano, no lugar do XXXII domingo do Tempo Comum, celebra-se a festa da dedicação da igreja-mãe de Roma, a Basílica de São João de Latrão, dedicada em um primeiro momento ao Salvador e depois a São João Batista. Que representa para a liturgia e para a espiritualidade cristã a dedicação de uma igreja e a própria existência da igreja, entendida como lugar de culto? Temos que começar com as palavras do Evangelho: «Mas chega a hora (já estamos nela) em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade, porque assim quer o Pai que sejam os que o adoram».
Jesus ensina que o templo de Deus é, em primeiro lugar, o coração do homem que acolheu sua palavra. Falando de si e do Pai, diz: «viremos a ele, e faremos morada nele» (João 14, 23). E Paulo escreve aos cristãos: «Não sabeis que sois santuário de Deus?» (1 Coríntios 3, 16). Portanto, o crente é templo novo de Deus. Mas o lugar da presença de Deus e de Cristo também se encontra «onde estão dois ou três reunidos em meu nome» (Mateus 18, 20). O Concílio Vaticano II chama a família de «igreja doméstica» (Lumen Gentium, 11), ou seja, um pequeno templo de Deus, precisamente porque, graças ao sacramento do matrimônio, é, por excelência, o lugar no qual «dois ou três» estão reunidos em seu nome.
Por que, então, os cristãos dão tanta importância à igreja, se cada um de nós pode adorar o Pai em espírito e verdade em seu próprio coração ou em sua própria casa? Por que é obrigatório ir à igreja todos os domingos? A resposta é que Jesus não nos salva separadamente; veio para formar um povo, uma comunidade de pessoas, em comunhão com Ele e entre si.
O que é a casa para uma família, é a igreja para a família de Deus. Não há família sem uma casa. Um dos filmes do neo-realismo italiano que ainda recordo é «O teto» («Il tetto»), escrito por Cesare Zavattini e dirigido por Vittorio De Sica. Dois jovens, pobres e enamorados, se casam, mas não têm uma casa. Nos arredores de Roma, após a 2ª Guerra Mundial, inventam um sistema para construir uma, lutando contra o tempo e a lei (se a construção não chega até o teto, à noite será demolida). Quando no final terminam o teto, estão certos de que têm uma casa e uma intimidade própria e se abraçam felizes; são uma família.
Vi esta história se repetir em muitos bairros de cidade, em povoados e aldeias, que não tinham uma igreja própria e tiveram de construir-se uma por sua conta. A solidariedade, o entusiasmo, a alegria de trabalhar juntos com o sacerdote para dar à comunidade um lugar de culto e de encontro são histórias que valeriam a pena levar às telas como no filme de De Sica...
Agora, temos que evocar também um fenômeno doloroso: o abandono em massa da participação na igreja e, portanto, na missa dominical. As estatísticas sobre a prática religiosa são para fazer chorar. Isto não quer dizer que quem não vai à igreja necessariamente perdeu a fé; não, o que acontece é que se substitui a religião instituída por Cristo pela chamada religião «a la carte». Nos Estados Unidos dizem «pick and choose», pegue e escolha. Como no supermercado. Deixando a metáfora de lado, cada um forma sua própria idéia de Deus, da oração e fica tranqüilo.
Esquece-se, deste modo, que Deus se revelou em Cristo, que Cristo pregou um Evangelho, que fundou uma ekklesia, ou seja, uma assembléia de chamados, que instituiu os sacramentos, como sinais e transmissores de sua presença e de sua salvação. Ignorar tudo isto para criar a própria imagem de Deus expõe ao subjetivismo mais radical. Neste caso, se verifica o que dizia o filósofo Feuerbach: Deus é reduzido à projeção das próprias necessidades e desejos. Já não é Deus quem cria o homem à sua imagem, mas o homem cria um deus à sua imagem. Mas é um Deus que não salva!
Certamente, uma realidade conformada só por práticas exteriores não serve de nada; Jesus se opõe a ela em todo o Evangelho. Mas não há oposição entre a religião dos sinais e dos sacramentos e a íntima, pessoal; entre o rito e o espírito. Os grandes gênios religiosos (pensemos em Agostinho, Pascal, Kierkegaard, Manzoni) eram homens de uma interioridade profunda e sumamente pessoal e, ao mesmo tempo, estavam integrados em uma comunidade, iam à sua igreja, eram «praticantes».
Nas Confissões (VIII, 2), Santo Agostinho narra como acontece a conversão do grande orador e filósofo romano Victorino. Ao converter-se à verdade do cristianismo, dizia ao sacerdote Simpliciano: «Agora sou cristão». Simpliciano lhe respondia: «Não creio até ver-te na igreja de Cristo». O outro lhe perguntou: «Então, são as paredes que nos tornam cristãos?». E o tema ficou no ar. Mas um dia Victorino leu no Evangelho a palavra de Cristo: «quem se envergonha de mim e de minhas palavras, desse se envergonhará o Filho do homem». Compreendeu que o respeito humano, o medo do que pudessem dizer seus colegas, o impedia de ir à igreja. Foi visitar Simpliciano e lhe disse: «Vamos à igreja, quero tornar-me cristão». Creio que esta história tem algo a dizer hoje a mais de uma pessoa de cultura.

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