‘Uma Igreja que se sente á vontade na pobreza das massas e na hospitalidade da esperança que nunca discrimina’, propõe Adolfo Nicolás.
Adolfo Nicolás, novo superior geral da Companhia de Jesus, publicou, em 2005, o artigo “Que Ásia? Que Cristianismo? Que crise?” na revista Concilium – Revista Internacional de Teologia, no. 3. Cristianismo em crise? É o tema de capa desta edição, organizada pelos teólogos Jon Sobrino, jesuíta espanhol radicado em El Salvador, e Felix Wilfred, da Índia. A leitura atenta do artigo permite entender melhor o perfil do novo superior geral da Companhia de Jesus. Publicamos, a seguir, uma síntese.
No artigo, comentando a crise do cristianismo na Ásia, Nicolás afirma que ela “não é nova”. Segundo ele, “a crise mais profunda permanece intocada e continua a perturbar as pessoas sábias e atentas na Igreja”. Pois, continua, a crise do cristianismo na Ásia é global. Ele considera, no entanto, a crise como uma bênção, um chamado, uma oportunidade para crescer, alargar horizontes, redescobrir o eu mais profundo em contato com outras pessoas e outras tradições. Se às vezes este convite total à mudança é um tanto assustador, de maneira geral ele é sempre nossa melhor chance de sermos genuínos, de manter-nos em contato com as fontes e o cerne de nossa fé e de nosso ser. Em toda a crise há um elemento de perda da segurança e perda dos apoios familiares. Mas justamente isso pode tornar a crise libertadora e desafiadora, se nos dermos conta de que ‘perdendo nossa vida é que nós realmente a ganhamos e que ‘não tendo nada é que nós realmente podemos possuir o mundo.
E Nicolás continua:
“Neste tipo de crise somos transformados: em vez de “julgar” os outros nós mesmos “somos julgados”. Não porque “os outros” estejam interessados em nos julgar, mas porque na presença deles “nossas próprias palavras retornam para nos julgar”. O outro nos julga ouvindo nossa mensagem e confirmando sua profundidade, seu poder de convidar e mudar. O outro nos julga levando a sério nossas palavras e tornando-se testemunha de nossa vida. O outro nos julga forçando-nos a manter vivas as questões mais profundas e não permitindo que as palavras embaralhem a realidade. Quando o outro é acolhido com amor e respeitado em sua integridade, não podemos evitar o desafio de perguntar-nos até que ponto somos verdadeiros, até que ponto somos cristãos, até que ponto somos discípulos”.
A partir daí, Adolfo Nicolás, descreve algumas características da crise do cristianismo na Ásia. Assim, afirma, “a crise é uma crise de credibilidade que afeta toda a obra de evangelização: as palavras não condizem com a ação, os ensinamentos recebidos não mudam a vida dos crentes, os ritos não energizam a vida, os profissionais, políticos, servidores públicos ou mesmo os esposos cristãos parecem não desempenhar suas tarefas com maior honestidade, fidelidade, justiça ou compaixão do que seus colegas budistas ou hindus”.
E ele constata que “o Evangelho da misericórdia e da reconciliação é negado pro nossa incapacidade de reconciliar plenamente os que fracassaram em suas promessas ou em seu matrimônio. A capacidade receptiva da Mesa do Senhor não fala da hospitalidade de Deus, porque não acolhemos aqueles nossos irmãos e irmãs que por acaso nasceram e cresceram num mundo ou ambiente religioso diferente. A alegria e a simplicidade do perdão e do serviço foram substituídas por um complicado sistema de controles e normas que tornam o Evangelho um tanto distante das pessoas. Nas Igrejas ocidentais ou mais antigas há uma possibilidade de explicar por que e como se desenvolveram algumas destas anomalias; num diálogo cordial com pessoas de outras religiões na Ásia essas mesmas explicações provocam espanto e decepção”.
Um segundo elemento da crise se manifesta no “nosso ministério pastoral e teológico”. “O campo natural para esta crise é o campo pastoral – escreve Nicolás -, onde, para nossa vergonha e consternação, as normas e obrigações parecem ocupar mais espaço na pregação e na orientação dos pastores do que a alegria, a esperança e a liberdade; onde o aprender doutrinas (muitas vezes quase ininteligíveis e raramente interessantes) ocupa mais espaço do que a comunhão, o serviço e a hospitalidade.
E continua:
“A crise não é menos grave no que diz respeito à teologia. As religiões asiáticas – especialmente o budismo – são um permanente desafio a toda palavra teológica que produzimos. Elas questionam a suposta “clareza” de muitas das nossas afirmações e explicações. Basicamente porque é uma clareza sem transparência, que explica melhor conceitos e definições do que a vida com todas as suas dores e alegrias”.
A terceira característica da crise, que está “na raiz e no âmago desta crise global” é a espiritualidade. “A crise não está no nível da teoria; temos uma teoria muito boa da vida no Espírito. A crise acontece no nível da prática, onde a espiritualidade não é uma teoria explicativa, nem mesmo um conjunto de práticas devocionais, mas vida, encontro, crescimento e comunhão”. E ele pergunta: “Será que esta proximidade a Cristo, à sua Palavra, à sua memória é uma força dinâmica e inspiração que muda as relações, os valores, a solidariedade, o serviço aos pobres e a paixão de trabalhar para ‘um mundo diferente’?”
Segundo ele, “novamente estamos tocando aqui um problema universal. Os verdadeiros mestres espirituais de todos os tempos estão mais interessados em ensinar o caminho para Deus do que em responder a perguntas sobre Deus. A Ásia produziu uma incrível profusão de tais ‘caminhos’”.
A crise do cristianismo afeta, escreve o Adolfo Nicolás, “afeta, sobretudo, a Igreja”. Para ele, “a Igreja precisa recuperar sua humilde posição no plano da salvação”. E testemunha: “Esta é a imagem da Igreja de Cristo que faz mais sentido na Ásia: uma Igreja que se sente á vontade na pobreza das massas e na hospitalidade da esperança que nunca discrimina”.
Mas ele confessa: “No entanto, não é esta a imagem que nós “eclesiásticos” comunicamos mais claramente. Há uma ânsia de visibilidade, de influência, de diferentes formas de poder (inclusive, especialmente, poder “espiritual”), de sucesso visível, que estraga a alegria de acompanhar o Cristo na pobreza e na humildade. A Igreja tem sido muito ineficaz em abrir suas portas e mudar suas estruturas em obediência ao Espírito de Cristo que lhe falou no Concílio Vaticano II”.
E, contundente, afirma:
“Se tivéssemos consciência da crise que estamos atravessando, reconsideraríamos nosso estilo, nossa linguagem, nossas celebrações em busca de maior harmonia. A Ásia nunca poderá entender como uma Igreja “humilde” pode tão facilmente rejeitar “outros caminhos de salvação” ou desclassificá-los como “inferiores ao nosso”. A Ásia com seus santos e místicos, suas testemunhas e fiéis heróicos, nunca compreenderá como uma Igreja nascida do Evangelho e guiada pelo Espírito de Jesus Cristo pode praticamente ignorar a riqueza religiosa de outras religiões e a salvação real e concreta que elas trouxeram a milhares de gerações”.
E,concluindo, propõe:
“Precisamos encetar novamente a jornada pascal de auto-esvaziamento; esta é nossa única chance de encontrar o Cristo sofredor nos pobres da Ásia, as vítimas de milênios de terremotos, tsunamis, opressão e injustiça. Este auto-esvaziamento alcança os nossos conceitos, teologias, instituições, mundos teóricos ou devocionais... A. Pieris fala de um novo batismo na religiosidade asiática e da Cruz da pobreza da Ásia. Crise é a bênção de que nós sempre precisamos para manter-nos abertos e em crescimento, redescobrindo e re-criando com o Espírito do Senhor”.
Adolfo Nicolás, novo superior geral da Companhia de Jesus, publicou, em 2005, o artigo “Que Ásia? Que Cristianismo? Que crise?” na revista Concilium – Revista Internacional de Teologia, no. 3. Cristianismo em crise? É o tema de capa desta edição, organizada pelos teólogos Jon Sobrino, jesuíta espanhol radicado em El Salvador, e Felix Wilfred, da Índia. A leitura atenta do artigo permite entender melhor o perfil do novo superior geral da Companhia de Jesus. Publicamos, a seguir, uma síntese.
No artigo, comentando a crise do cristianismo na Ásia, Nicolás afirma que ela “não é nova”. Segundo ele, “a crise mais profunda permanece intocada e continua a perturbar as pessoas sábias e atentas na Igreja”. Pois, continua, a crise do cristianismo na Ásia é global. Ele considera, no entanto, a crise como uma bênção, um chamado, uma oportunidade para crescer, alargar horizontes, redescobrir o eu mais profundo em contato com outras pessoas e outras tradições. Se às vezes este convite total à mudança é um tanto assustador, de maneira geral ele é sempre nossa melhor chance de sermos genuínos, de manter-nos em contato com as fontes e o cerne de nossa fé e de nosso ser. Em toda a crise há um elemento de perda da segurança e perda dos apoios familiares. Mas justamente isso pode tornar a crise libertadora e desafiadora, se nos dermos conta de que ‘perdendo nossa vida é que nós realmente a ganhamos e que ‘não tendo nada é que nós realmente podemos possuir o mundo.
E Nicolás continua:
“Neste tipo de crise somos transformados: em vez de “julgar” os outros nós mesmos “somos julgados”. Não porque “os outros” estejam interessados em nos julgar, mas porque na presença deles “nossas próprias palavras retornam para nos julgar”. O outro nos julga ouvindo nossa mensagem e confirmando sua profundidade, seu poder de convidar e mudar. O outro nos julga levando a sério nossas palavras e tornando-se testemunha de nossa vida. O outro nos julga forçando-nos a manter vivas as questões mais profundas e não permitindo que as palavras embaralhem a realidade. Quando o outro é acolhido com amor e respeitado em sua integridade, não podemos evitar o desafio de perguntar-nos até que ponto somos verdadeiros, até que ponto somos cristãos, até que ponto somos discípulos”.
A partir daí, Adolfo Nicolás, descreve algumas características da crise do cristianismo na Ásia. Assim, afirma, “a crise é uma crise de credibilidade que afeta toda a obra de evangelização: as palavras não condizem com a ação, os ensinamentos recebidos não mudam a vida dos crentes, os ritos não energizam a vida, os profissionais, políticos, servidores públicos ou mesmo os esposos cristãos parecem não desempenhar suas tarefas com maior honestidade, fidelidade, justiça ou compaixão do que seus colegas budistas ou hindus”.
E ele constata que “o Evangelho da misericórdia e da reconciliação é negado pro nossa incapacidade de reconciliar plenamente os que fracassaram em suas promessas ou em seu matrimônio. A capacidade receptiva da Mesa do Senhor não fala da hospitalidade de Deus, porque não acolhemos aqueles nossos irmãos e irmãs que por acaso nasceram e cresceram num mundo ou ambiente religioso diferente. A alegria e a simplicidade do perdão e do serviço foram substituídas por um complicado sistema de controles e normas que tornam o Evangelho um tanto distante das pessoas. Nas Igrejas ocidentais ou mais antigas há uma possibilidade de explicar por que e como se desenvolveram algumas destas anomalias; num diálogo cordial com pessoas de outras religiões na Ásia essas mesmas explicações provocam espanto e decepção”.
Um segundo elemento da crise se manifesta no “nosso ministério pastoral e teológico”. “O campo natural para esta crise é o campo pastoral – escreve Nicolás -, onde, para nossa vergonha e consternação, as normas e obrigações parecem ocupar mais espaço na pregação e na orientação dos pastores do que a alegria, a esperança e a liberdade; onde o aprender doutrinas (muitas vezes quase ininteligíveis e raramente interessantes) ocupa mais espaço do que a comunhão, o serviço e a hospitalidade.
E continua:
“A crise não é menos grave no que diz respeito à teologia. As religiões asiáticas – especialmente o budismo – são um permanente desafio a toda palavra teológica que produzimos. Elas questionam a suposta “clareza” de muitas das nossas afirmações e explicações. Basicamente porque é uma clareza sem transparência, que explica melhor conceitos e definições do que a vida com todas as suas dores e alegrias”.
A terceira característica da crise, que está “na raiz e no âmago desta crise global” é a espiritualidade. “A crise não está no nível da teoria; temos uma teoria muito boa da vida no Espírito. A crise acontece no nível da prática, onde a espiritualidade não é uma teoria explicativa, nem mesmo um conjunto de práticas devocionais, mas vida, encontro, crescimento e comunhão”. E ele pergunta: “Será que esta proximidade a Cristo, à sua Palavra, à sua memória é uma força dinâmica e inspiração que muda as relações, os valores, a solidariedade, o serviço aos pobres e a paixão de trabalhar para ‘um mundo diferente’?”
Segundo ele, “novamente estamos tocando aqui um problema universal. Os verdadeiros mestres espirituais de todos os tempos estão mais interessados em ensinar o caminho para Deus do que em responder a perguntas sobre Deus. A Ásia produziu uma incrível profusão de tais ‘caminhos’”.
A crise do cristianismo afeta, escreve o Adolfo Nicolás, “afeta, sobretudo, a Igreja”. Para ele, “a Igreja precisa recuperar sua humilde posição no plano da salvação”. E testemunha: “Esta é a imagem da Igreja de Cristo que faz mais sentido na Ásia: uma Igreja que se sente á vontade na pobreza das massas e na hospitalidade da esperança que nunca discrimina”.
Mas ele confessa: “No entanto, não é esta a imagem que nós “eclesiásticos” comunicamos mais claramente. Há uma ânsia de visibilidade, de influência, de diferentes formas de poder (inclusive, especialmente, poder “espiritual”), de sucesso visível, que estraga a alegria de acompanhar o Cristo na pobreza e na humildade. A Igreja tem sido muito ineficaz em abrir suas portas e mudar suas estruturas em obediência ao Espírito de Cristo que lhe falou no Concílio Vaticano II”.
E, contundente, afirma:
“Se tivéssemos consciência da crise que estamos atravessando, reconsideraríamos nosso estilo, nossa linguagem, nossas celebrações em busca de maior harmonia. A Ásia nunca poderá entender como uma Igreja “humilde” pode tão facilmente rejeitar “outros caminhos de salvação” ou desclassificá-los como “inferiores ao nosso”. A Ásia com seus santos e místicos, suas testemunhas e fiéis heróicos, nunca compreenderá como uma Igreja nascida do Evangelho e guiada pelo Espírito de Jesus Cristo pode praticamente ignorar a riqueza religiosa de outras religiões e a salvação real e concreta que elas trouxeram a milhares de gerações”.
E,concluindo, propõe:
“Precisamos encetar novamente a jornada pascal de auto-esvaziamento; esta é nossa única chance de encontrar o Cristo sofredor nos pobres da Ásia, as vítimas de milênios de terremotos, tsunamis, opressão e injustiça. Este auto-esvaziamento alcança os nossos conceitos, teologias, instituições, mundos teóricos ou devocionais... A. Pieris fala de um novo batismo na religiosidade asiática e da Cruz da pobreza da Ásia. Crise é a bênção de que nós sempre precisamos para manter-nos abertos e em crescimento, redescobrindo e re-criando com o Espírito do Senhor”.
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