segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Nos passos de Arrupe

Seu nome não estava nas listas prévias que circulavam nos jornais nem na cabeça de muitos jesuítas nem nas cabalas que se faziam nos corredores do Vaticano. Adolfo Nicolás joga por terra os três requisitos que pareciam ser fundamentais: não tem menos de 65 anos, não é latino-americano nem indiano. Mas por que será que foi eleito? Trata-se de uma pessoa idônea? Será que não é velho demais para o cargo? Quais são os seus pontos fortes? E suas debilidades? Ele é homem de que a Igreja precisa? A reportagem é de Isabel Urrutia e publicada no jornal basco El Correo, 26-01-2008.
A reportagem do jornal consultou cinco pessoas qualificadas e a resposta global, com matizes, resulta num balanço muito positivo. Todos esperam muito de Adolfo Nicolás: sobre seus ombros recai uma grande responsabilidade e a exigência de não defraudar “a uma Igreja que vive assediada nestes tempos que correm”, adverte desde Roma o padre Pedro Rodríguez, ex-decano da Faculdade de Teologia da Universidade de Navarra.
Fim do silêncio
“Ao padre Nicolás já se via há 25 anos como possível sucessor de
Arrupe. É aberto, mas equilibrado; profético, mas obediente, audaz, mas com discernimento. Não é um imprudente como alguns de nós!”, afirma, desde Japão, com humor Juan Masiá, jesuíta e amigo do superior geral da Companhia de Jesus. Os dois compartilham um grande sentido de humor e, sobretudo, uma grande experiência na Ásia que lhes deu uma paciência infinita e, sobretudo, modéstia. Numa realidade onde os católicos são apenas, no máximo, 1% da população, desafiados por culturas milenares muito anteriores ao cristianismo, eles foram obrigados a aprender uma lição de humildade na marra.
Nesse contexto, os jesuítas se entusiasmam com a eleição de Adolfo Nicolás. O próprio Juan Masiá continua no Império do Sol, como professor de ética na Universidade de Sofia, em Tóquio, e como conselheiro da Associação Bioética do Japão, entre outros cargos. Trabalho não lhe falta, dois anos depois de ter sido destituído como diretor da Cátedra de Bioética da Universidade de Comillas, por pressão da hierarquia eclesiástica espanhola. Para este setor da Igreja, a sua defesa do preservativo e os anticoncepcionais não era aceitável. “Enfim, creio que agora, mais do que nunca, é preciso descentrar-se da Europa e libertar a Igreja de muitos lastros. Oxalá que esta eleição repercuta sobretudo para ampliar a visão estreita de tantos”.
Pedro Miguel Lamet, jesuíta e biógrafo de Arrupe, está convencido de que a experiência japonesa de Adolfo Nicolás lhe favorece: “A cortesia da inclinação da cabeça, a dulcificação do caráter são virtudes japonesas que lhe ajudarão muito; abrirá brechas sem armar grandes confusões”. Na sua primeira homilia, ele já foi contundente: “Os marginalizados,os excluídos – todos os diminuídos, porque a sociedade somente aposta nos grandes – são para nós as nações que necessitam da ajuda de Deus”.
Nessa declaração de princípios brilha a marca de Arrupe, “e não porque Kolvenbach, o geral que acaba de ser sucedido por Nicolás, fosse todo o contrário, mas porque agora estas coisas se dizem clara e abertamente”, explica Pedro Miguel Lamet. Pelo visto, “a longa hibernação que sofreu a Companhia”, como conseqüência das tensas relações entre
João Paulo II e Arrupe, tem os dias contados. “Nossa luta pela justiça social voltará a ser notada. O silêncio acabou”.
Campo de jogo
As águas deverão voltar a correr no seu leito normal, ainda que o dano foi feito. Ninguém esquece que Wojtyla nomeou, em 1981, um jesuíta conservador para governar temporalmente a Companhia enquanto Arrupe se recuperava de uma trombose cerebral. Assim ficava clara a autoridade de Roma e a sua desconfiança para com uma ordem religiosa que alentava a
Teologia da Libertação, surgida no calor do Concílio Vaticano II e representada por jesuítas como Ignácio Ellacuría, Jon Cortina e Jon Sobrino. Aquilo foi um terremoto de que a Companhia ainda hoje se ressente e que não pára de ter réplicas pontuais: a última foi a recente chamada de atenção a Sobrino por dar “demasiada ênfase na humanidade de Jesus”.
“O campo de jogo é preciso que esteja definido”, raciocina Eloy Bueno, professor na Faculdade de Teologia de Burgos e doutor em Missiologia. Seu entusiasmo com a eleição do novo líder não impede que, ao mesmo tempo, justifique as chamadas de atenção que partem da Santa Sé e que ele advogue uma “desdramatização destes desencontros porque – não esqueçamos – nossa liberdade de expressão é muito maior do que a dos partidos políticos”. E, de qualquer maneira, o perfil de Nicolás lhe parece o ideal, nada problemático. “Vejo-o muito capacitado para fazer frente aos três desafios postos pela Igreja: a sintonia com o humanismo do pensamento moderno, os pobres e o diálogo interreligioso”.
Com os dois últimos desafios – a miséria e a diversidade religiosa – Nicolás lidou permanentemente na Ásia. Quanto ao pensamento moderno, “já demonstrou que tinha sensibilidade para abordá-lo em 1972”. Então, quando se publicou sua tese de doutorado,
Teologia do Progresso, com um agradecimento expresso a “Juan Sobrino” por sua ajuda. Como explica José María Lera, professor de eclesiologia na Universidade de Deusto: “É uma obra onde se apresentam as tendências dos teólogos do Concílio Vaticano II, aqueles que reafirmavam sua fé na Humanidade e no progresso no longo da História”. Esse otimismo incentivava o compromisso social e a luta pela justiça, “e não duvidavam de que isso contribuía para o Reino de Deus”.
Nicolás segue essa mesma linha: não perdeu o norte que marca o seu destino de jesuíta. Mas será que ele poderá ir muito adiante? Pedro Rodríguez, ex-decano da Faculdade de Teologia da Universidade de Navarra, anuncia que “tanto Adolfo Nicolás como a Congregação Geral serão recebidos pelo Santo Padre, e então, seguramente, ele lhes falará”. Ou, o que é o mesmo, lhes dará um roteiro do caminho para que não se desviem da estrada do Vaticano. Um roteiro que se soma aos que os jesuítas já receberam nestas últimas semanas: a
Carta de Bento XVI e a homilia do cardeal Franc Rodé (prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica). Ratzinger aconselhava reafirmar “a adesão total á doutrina católica” em questões espinhosas como as relações entre as religiões, a teologia da libertação e a moral sexual. E se, por acaso houvesse dúvidas, Rodé recordava que “a verdade é uma”. Não há outro caminho e Adolfo Nicolás o sabe. Ele sempre refutou as honras e as distinções para ser mais livre e, agora, aos 71 anos, tornou-se o superior geral da sua ordem. “Começa sua Via Sacra. Isso vai ser um calvário”, reconhece seu amigo Juan Masiá.
Alguns pensam que a nomeação de alguém da sua idade, responde ao desejo expresso de que não sofra por longos anos. “Que dure, mais ou menos, este papado. Assim, no caso de que haja problemas, não estará ‘marcado’ quando tome o poder o outro pontífice”, reflete José María Lera, eclesiólogo de Deusto. Seja como for, todos coincidem em constatar que as águas voltam ao seu curso normal e os que conhecem Nicolás asseguram que ele “não é um homem tempestuoso”. A serenidade oriental preside sua vida. Adolfo Nicolás segue de pés juntos a máxima budista:”O duro perece e o brando permanece”.
Por sua vez, segundo o jornal El País, 27-01-2008, José María de Vera, porta-voz da cúria generalícia dos jesuítas, em Roma, afirma que "Adolfo Nicolás não é ingênuo como Arrupe que também não tinha a preparação teológica do atual geral”.

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