sábado, 5 de janeiro de 2008

NOS UMBRAIS DA CONGREGAÇÃO GERAL 35

“Só d´Ele, portanto, se deve esperar que há de conservar e levar adiante esta obra que Ele se dignou começar para seu serviço e louvor e para ajuda das almas”

Em 2 de fevereiro do 2006 o P. Kolvenbach convocou a Congregação Geral 35 considerando que existiam as condições que Santo Inácio indica para isso nas Constituições “quando se tratar da eleição do Geral” (nº 677) ou de “assuntos importantes e de caráter permanente ou certas questões muito difíceis referentes a todo o corpo da Companhia ou ao seu teor de vida” (nº 680). Começou assim um processo de preparação que culminará em 7 de janeiro próximo quando, com uma Eucaristia na Igreja de Gesù, iniciem-se os trabalhos próprios desta reunião.Ao longo destes quase dois anos se realizaram Congregações Provinciais que, além de designar eleitores, enviaram “postulados” ou temas que as Províncias consideravam “assuntos importantes… referentes a todo o corpo da Companhia”. Somados aos remetidos por outros jesuítas, seja individualmente ou procedentes de grupos apostólicos, chegaram até o momento 412 postulados à Cúria Geral. Ao mesmo tempo, o P. Geral formou cinco comissões para estudar alguns assuntos que tinham sido destacados nas duas últimas reuniões de Superiores Maiores (Loyola 2000 e 2005) e na Congregação de Procuradores de 2003: apostolado social, colaboração jesuítas-leigos, vida comunitária, obediência apostólica, temas jurídicos. Em fevereiro do 2007 o P. Geral constituiu a Comissão Preparatória (Coetus Praevius) com dois eleitores por área geográfica (África, Ásia Meridional, Ásia Oriental, América Latina, Europa, Estados Unidos e Canadá) com a finalidade de classificar os postulados recebidos e elaborar Relações Prévias para os diversos temas. Terminado seu trabalho, a Comissão os remeteu aos 226 congregados e consultou seu parecer pessoal e coletivo, nas reuniões por Assistências ou Conferências. Durante sua segunda sessão, em fins de novembro, a Comissão revisou as respostas, percebeu uma grande semelhança e concordância entre elas, além disso, também com o trabalho por ela mesma realizado. Estabeleceu-se assim uma interação inédita entre a Comissão Preparatória e os Eleitores o que deve facilitar muito a orientação da Congregação, ao menos em seu início. Além disso, todas as comunidades foram recebendo breves subsídios sobre os temas das Relações Prévias para serem refletidos nas reuniões, incorporando-se desse modo à dinâmica preparatória da Congregação.Relatar este percurso é importante porque a Congregação, mais que um evento, é um processo todo ele orientado à união e fortalecimento do corpo apostólico. Uma Congregação Geral é, sem dúvida, uma instância de governo, a mais alta na elaboração legislativa da organização da Companhia. Para Inácio, entretanto, o governo estava em função da união do corpo. Nas Constituições fala das Congregações, na parte VIII, que trata precisamente dos “meios de unir com a cabeça e entre si aqueles que estão dispersos”. Estar dispersos na missão, ser “communitas ad dispersionem”, dispostos a partir para onde sejamos enviados, é a marca da Companhia. Normalmente são os Superiores os que ajudam a manter a união dos dispersos. As Congregações não nos devem “distrair” de estarmos em missão. Por isso só houve 35 em 460 anos de existência.Não obstante, o corpo precisa reunir-se para reforçar seus vínculos em “coisas de importância”. Mais ainda um corpo que, como a Companhia, encontra-se hoje disperso em mais de cem países e que nas últimas quatro décadas foi variando substancialmente sua composição sócio-cultural, enriquecendo-se com vocações nativas do sul e do oriente do mundo. A composição da CG 35 expressa essa diversidade: 18 procedem da África, 43 do Ásia Meridional (basicamente da Índia), 19 da Ásia Oriental e Austrália, 40 da América Latina, 30 dos USA e 76 da Europa. No total, 226 jesuítas (5 dos quais são irmãos) chamados a participar deste processo de discernimento coletivo gerador de vínculos mais estreitos.Embora procedam de diversas áreas geográficas, com preocupações e inquietações específicas, os que assistem à Congregação não vão como “delegados” nem a Congregação é um espaço de negociação, de lobbying ou de busca de possíveis acordos apostólicos. Para Inácio, a Congregação é a Companhia mesma. Trata-se, segundo as Constituições, de «convocar a Companhia» (nº 687). “Iria contra a idéia que Inácio tinha deste encontro de amigos no Senhor –nos recordava o P. Kolvenbach ao iniciar a CG 34- quem se achasse delegado ou eleito para defender ou promover uma ideologia ou opinião particular própria de uma província ou região”. Sempre, mas, sobretudo na Congregação, quem participa é, acima de tudo, membro do único corpo da Companhia. Porque o que se trata é de procurar juntos o que Deus quer da universal Companhia hoje, nas circunstâncias concretas do mundo e da Igreja. A Congregação é uma prática de discernimento de todo o corpo apostólico sobre assuntos que requerem uma definição. A metodologia (que inclui oração, reflexão pessoal, diálogos interpessoais, trabalho em grupos, plenárias) encaminha os participantes para “um mesmo sentir” sobre os diversos aspectos a tratar, seja a eleição do Geral e sua equipe de governo, sejam as orientações que se devem dar ao conjunto do corpo para o futuro próximo. O respeito a este modo de proceder é chave para que a Companhia sinta que é o Espírito quem a conduz em todo momento e essa experiência contribua a convicção necessária para levar suas orientações à prática.Para realizar seus objetivos a Congregação terá duas fases: a primeira está orientada para uma acertada eleição de um novo Superior Geral. Esta é a primeira ocasião em que o P. Geral apresenta a renúncia ao cargo estando ainda em condições de seguir na tarefa. A necessidade de renovação após 25 anos de governo e cerca de 80 anos de idade constituíram razão suficiente para dar este passo. A Congregação saberá agradecer o ótimo serviço prestado pelo P. Kolvenbach ao longo deste quarto de século antes de proceder à eleição de seu sucessor.Em sua segunda fase, a Congregação deve discernir também os temas sobre os quais deve tomar alguma decisão e o modo de formulá-los. Os postulados enviados expressaram as preocupações principais da Companhia: a globalização, a ecologia e o meio ambiente, a situação dos migrantes, refugiados e os indígenas em um mundo globalizado, a colaboração com os leigos na missão; a estes temas, somam-se também outros mais internos: situação atual da vida religiosa, nosso serviço à Igreja hoje, a promoção das vocações, a formação… Temas, sem dúvida, muito importantes. Não se deve esperar, entretanto, que a Congregação Geral formule decretos sobre todos e cada um deles. Faz parte do processo realizar um certo ordenamento que permita aos congregados perceber se, sobre estes assuntos ou outros, terá que tomar decisões que ajudem à Companhia e a sua missão no momento presente. Em temas chaves como vida no espírito, comunidade ou formação, a Congregação passada decidiu não elaborar decreto algum porque lhe pareceu que bastava levar a prática as orientações de Congregações anteriores ou encomendar a tarefa ao governo ordinário. portanto, as decisões a tomar devem circunscrever-se a «outras questões cuja solução ultrapassa a competência do Geral e dos que estão junto dele» (Constituições nº 689), quer dizer, a assuntos que excedem as reais possibilidades do governo ordinário. Finalmente, documentos exortativos ou orientações práticas? Profundas reflexões ou diretos decretos? Esta Congregação poderia contribuir também com inovações quanto ao estilo dos documentos produzidos. Cresce o desejo de concentrar a atenção não só nos textos necessários, mas também no cuidado de sua formulação. Esta deve responder a nossa situação de “mínima Companhia”, evitando a linguagem grandiloqüente; dialogando com nossos colaboradores na missão, excluindo todo protagonismo; aceitando humildemente nossas falhas e, ao mesmo tempo, expressando com claridade os aspectos constitutivos da vocação a que, em graça, fomos chamados. Estilo, portanto, esperançoso e estimulante para o corpo da Companhia (especialmente para os jovens) e para todos aqueles, leigos e religiosos, que se sentem parte desta rede apostólica inspirada pela espiritualidade inaciana. Continuemos orando pela Congregação sabendo que “só d´Ele, portanto, se deve esperar que há de conservar e levar adiante esta obra que Ele se dignou começar para seu serviço e louvor e para ajuda das almas” (Constituições nº 812).

Ernesto Cavassa, S.J.
Fonte: www,jesuita.org.br

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